10 anos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES)
Em 19 de julho de 2020 completaremos 10 (dez) anos da existência do decreto que visa a implementação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) no Brasil.
O PNAES tem por objetivo garantir a permanência e conclusão dos estudantes no ensino superior, contribuindo para uma universidade inclusiva e democrática. Desta forma, compreender a finalidade dos recursos destinados para as ações e atividades da assistência estudantil é fundamental para estabelecermos prioridades e parâmetros, determinando os limites das ações e atividades para o atendimento às demandas.
Entendemos que os recursos alocados pelo PNAES têm sido de fundamental importância para a implementação dos programas de assistência estudantil no âmbito da UFU, no entanto ainda insuficientes em decorrência do aumento de demandas ao longo dos últimos anos, principalmente com a inclusão de diversos segmentos sociais. Neste sentido, ainda existe um grande caminho a ser trilhado para alcançarmos a tão almejada democratização no ensino superior público.
Abaixo, texto elaborado pela equipe de serviço social da Divisão de Assistência e Orientação Social (DIASE) da UFU versando sobre o atual momento.
Desigualdade, pandemia e responsabilidade pública na gestão da crise*
“Que nunca se diga: isso é natural, para que nada passe por imutável...”
(Bertold Brecht)
A conjuntura social, política e econômica a qual se encontra o mundo no contexto da pandemia do novo Coronavírus-COVID19, no início de 2020, evidencia as contradições da escolha por um modelo de desenvolvimento do capital que tem sua base, dentre outros fatores, na privatização dos lucros e na desigualdade social. Não por acaso, os impactos da pandemia em diferentes países e regiões demonstram as fragilidades e contradições do atual sistema socioeconômico e demonstram que a crise, já inerente ao capital, foi terreno fértil para acentuar as consequências causadas pelo COVID-19.
Embora a contaminação do vírus atinja todos os segmentos da sociedade, é preciso destacar que em países sem bases estruturadas de proteção social, de saúde pública, educação, saneamento básico e de direitos trabalhistas, os impactos da pandemia têm sido devastadores para a população em geral e, em particular, para a classe trabalhadora, pobres, pretos, mulheres, população em situação de rua, desempregados, subempregados, informais, comunidades tradicionais, moradores de comunidades, dentre outros que compõem as categorias sociais mais empobrecidas. Ou seja, os impactos da crise afetam desproporcionalmente as diferentes classes sociais, regiões e países.
No Brasil, a curva de contaminação ainda não atingiu seu ápice. A instabilidade política em que o país se encontra acentua as crises sanitária, econômica e social já existentes. A desigualdade estrutural e histórica do país aparece com nitidez nos dados. De acordo com pesquisa da USP[i], regiões com maior índice de exclusão social e precarização das condições de vida apresentam índice de mortalidade até dez vezes maior que em regiões com melhor qualidade de vida e de acesso a serviços de saúde. A falta de políticas destinadas a determinadas populações, como as em situação de rua e de favelas, coloca a sobrevivência prioritariamente à mercê de ações de caridade praticadas pelo terceiro setor, desobrigando o Estado a exercer seu papel público no enfrentamento da crise.
O isolamento das pessoas obriga a convivência em situação de conflitos familiares. O feminicídio, o abuso sexual e a violência doméstica em geral aumentaram consideravelmente nos primeiros meses do ano. Os fatores raça e etnia também se encontram entre os maiores agravantes da crise, acentuando a subalternidade entre pretos e comunidades tradicionais. Dados da PNAD demonstram um aumento no número de desempregados, chegando a 12,9 milhões de pessoas no primeiro trimestre. Estima-se que o Auxílio Emergencial, principal medida destinada à população mais afetada pela crise, deva ser acessado por 95 milhões de brasileiros, segundo a DATAPREV[ii].
Desigualdades e desafios para políticas de permanência estudantil
Os impactos da crise no sistema educacional estabelecem uma relação simbiótica e recíproca aos impactos gerais da pandemia. Instituições de ensino desprovidas de um financiamento público ampliado não conseguem elaborar respostas sustentáveis para mitigar os impactos da pandemia. No ensino superior, que nos últimos anos têm sofrido contingenciamento do seu orçamento geral, a falta de um sistema de proteção social que atenda os estudantes, que seja integrado ao seu processo de formação profissional, demonstra o grau de vulnerabilidade no qual a comunidade discente se encontra. A universidade, enquanto reflexo da sociedade, reproduz internamente os processos excludentes existentes fora dela. A Pesquisa de Perfil Discente das IFES de 2018[iii], organizada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assistência Estudantil (FONAPRACE), aponta que 70,02% dos estudantes têm renda per capita de até um salário mínimo, público prioritário das ações do Programa Nacional da Assistência Estudantil (PNAES)[iv].
O PNAES, em suas dez áreas de abrangência (alimentação, moradia, transporte, creche, inclusão digital, esporte, saúde, cultura, apoio pedagógico e inclusão de estudantes com deficiência física e déficit de aprendizagem) constitui-se em um importante mecanismo de acesso a direitos sociais básicos do estudante para que ele tenha condições qualificadas de permanência nas instituições de ensino. Contudo, o PNAES carece de um financiamento que seja condizente com a realidade da comunidade discente das IFES, uma vez que as universidades têm conseguido destinar parcos recursos do seu orçamento próprio para apoiar políticas de permanência discente para além do PNAES.
As demandas estudantis não desapareceram junto com a suspensão das atividades acadêmicas presenciais. Essas demandas continuam a permear o universo dos estudantes que requisitam respostas tão urgentes quanto os problemas do seu cotidiano. A complexidade e o ineditismo da pandemia no contexto universitário requer a elaboração de novas estratégias de enfrentamento das desigualdades no ensino superior, voltadas ao atendimento das demandas acadêmicas que se intensificam no contexto da pandemia. Como manter o acesso dos estudantes a condições qualificadas de permanência e manutenção do seu vínculo com a universidade? Garantir a assistência estudantil em sua totalidade, pois as demandas dos estudantes inserem-se pelo menos nas dez áreas estabelecidas pelo PNAES, é um direito essencial da comunidade discente e desafio urgente à gestão do PNAES nas instituições de ensino.
A urgência de novas escolhas
É indispensável neste contexto um novo posicionamento do Estado na condução das políticas públicas e sociais. As contradições do neoliberalismo estão evidentes com a incapacidade da “mão invisível do mercado” em resolver os problemas da crise, pois é esse mesmo mercado que demanda do Estado medidas de socorro para a manutenção do seu funcionamento. Um Estado máximo para o capital e mínimo para o social, que precariza direitos trabalhistas, burocratiza o acesso a direitos sociais, como o Auxílio Emergencial, e mitiga o financiamento público, especialmente em função do cumprimento da Emenda Constitucional 95 de 2016.
Com os efeitos da pandemia, ficou evidente a urgência em fortalecer o Estado, as instituições públicas e políticas públicas e sociais. A fragilidade do financiamento da rede proteção social no Brasil demonstra a incapacidade e morosidade das respostas públicas à crise. Instituições de ensino, neste caso em especial as públicas de ensino superior, apresentam demanda histórica de uma base sustentável de financiamento nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, como também da política de permanência discente, como o PNAES. É urgente consolidar o PNAES como lei, pois sua condição de decreto o coloca no terreno das incertezas.
O fortalecimento das instituições democráticas é um posicionamento político. Novas escolhas referenciadas no cumprimento da função social do Estado e suas instituições, das quais a universidade é parte, são um dever público frente aos impactos da crise estrutural. Se o contexto atual em que se desenvolve a pandemia do coronavírus é impactado pelas escolhas políticas, econômicas e financeiras que governantes fizeram durante décadas e fazem na atualidade, o contexto durante e pós-pandemia também dependem do posicionamento político de quem gere e direciona as políticas públicas. Essa escolha ocorre em escala global, nacional e local. Se nada é imutável, como diz Bertold Brecht, cabe à sociedade ser resistência e sujeitos ativos no processo de mudança.
[i] https://oglobo.globo.com/sociedade/covid-19-mais-letal-em-regioes-de-periferia-no-brasil-1-24407520. Acesso em 21 de maio de 2020.
[ii] http://portal2.dataprev.gov.br/auxilio-emergencial-dataprev-finaliza-processamento-de-977-cadastros. Acesso em 21 de maio de 2020.
[iii] http://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2019/05/V-Pesquisa-do-Perfil-Socioecon%C3%B4mico-dos-Estudantes-de-Gradua%C3%A7%C3%A3o-das-Universidades-Federais-1.pdf. Acesso em 21 de maio de 2020.
[iv] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm. Acesso em 21 de maio de 2020.